sábado, abril 29, 2017

Jesus e Seus Interlocutores 
Ricardo Gondim
Vez por outra algumas palavras viram xingamentos. Elas ganham a boca do povo e servem direitinho para demonizar o outro: subversivo, terrorista, fascista, comunista, veado, ianque. Ultimamente ficou fácil, fácil, chamar as pessoas de vagabundas. Eu próprio já vesti a carapuça.
Não me protejo. Não me importo. Desprezo qualquer pedrada verbal. Dou de ombros para quem esbraveja adjetivos iracundos.
O mundo deve aos vagabundos. Charles Chaplin encarnou lá atrás, no tempo do cinema mudo, um doce e maravilhoso desocupado. Diante de máquinas de datilografia, nos ateliês, nas coxias de teatro, quanta beleza nasceu do ócio. Não fosse a vagabundagem de poetas, músicos, saltimbancos, repentistas, bardos, atores, nos condenaríamos a marchar com passo de ganso, como nos exércitos. Graças aos desocupados, a vida não fica tão cinzenta.
Pretendo ser um seguidor de Jesus. A rigor ele cabe no estigma de vagabundo. Jesus não tinha casa fixa, vivia de doações, rodeou-se de mulheres (algumas suspeitas) e tinha, entre os apóstolos, zelotes (os terroristas da época).
Andarilho, Jesus, viu-se mal afamado por gente “de bem” – que procurava ofendê-lo, tratando-o como glutão e beberrão. Não admira, seu movimento foi subterrâneo e marginal. Jesus de Nazaré frequentou favelas, tratou com leprosos, ouviu mendigos (jantou na casa de ricos também). Pouco ortodoxo, desafiou o clero quando ainda tinha 12 anos de idade. Foi também um vândalo – sua reação tempestiva ao virar as mesas dos cambistas no templo pode ter sido a gota d’água para ser crucificado.
Décadas depois, seus discípulos foram acusados de delirar (Paulo), de serem loucos e provocarem escândalos (crentes de Corinto). A história mostra que mesmo depois da constantinização e cooptação da fé, o legado de Jesus inspirou grupos de resistência. Jesus nunca deixou de inspirar “vagabundos”: Francisco de Assis na Itália, Thomas Müntzer na Alemanha, John Wesley na Inglaterra, Charles Finney nos Estados Unidos, Oscar Roméro em El Salvador, a estadunidense Dorothy Stang no Brasil.
Noto um  esforço esquisito de tentar “normalizar” Jesus como líder de uma religião pequeno-burguesa, conservadora, reacionária. Querem transformá-lo em um carimbador do status quo. O Jesus domesticado pela teologia, engessado pela instituição e  apequenado pela ganância do lucro, não corresponde ao filho de Deus dos evangelhos.
Será que gritaram “vagabundo, vagabundo, vagabundo” enquanto ele carregava a cruz pela Via Dolorosa? Nunca saberemos. Se gritaram, não erraram de todo. O mundo deve muito ao Divino Vagabundo, o Unigênito de Deus.
Soli Deo Gloria

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