A carta de Vingren
Prezados irmãos da Assembleia de Deus
A paz do Senhor!
Sinto enorme alegria em me comunicar com vocês tantos anos depois de nossa chegada ao Brasil. Sempre
gostei da palavra escrita, não à toa investimos, eu e minha esposa, tempo e dinheiro
na criação de periódicos. Chegaria a qualquer pessoa, em qualquer lugar. E
poderiam ler e reler e repassar a outros… E olha que meu português ainda estava
se acomodando.
A igreja que fundamos, eu e o Berg,
cresceu. É palpável, todo mundo quer agora ser
assembleiano. Nos primeiros anos era somente bordoada. Da Igreja Católica, das
igrejas tradicionais. Quase nenhum político nos acolheu. Nunca os
procuramos, a não ser em demandas institucionais. Ouço dizer que agora estão
por toda parte. E até assentam em nossos púlpitos. É um comportamento
reprovável. Alegrias e tristezas, parece não ser possível ter tudo ao
mesmo tempo…
Recebo algumas outras notícias tristes.
Dizem, por exemplo, que o cântico congregacional
foi substituído pelos orgãos. Era natural que os irmãos se ajuntassem… o que
não é normal é tomarem o tempo da Igreja. Alguns me informam que um ou outro
irmão canta sozinho ao microfone, enquanto os outros esperam calados, olhando
pros lados. Quem entende? É grupo ou cantor? E o repertório? Dizem que a
temática não é muito boa.
Outros me dizem que há uma
departamentalização exagerada. Só
falta o cara-crachá para entrar nas reuniões. Esses grupos são ótimos para a
divisão do trabalho, mas com o tempo se criam nichos, onde ninguém mete a mão. Crescem
e querem se apoderar do tempo e das energias dos demais. Acabam sobrepondo
as atividades e se desentendendo. Sei não…
Fico abismado ao ler que não alcançaram plenamente o Sertão. Cem anos depois!? Andei muito pelo interior
do País a cavalo ou a pé e sempre o Senhor abriu portas por todos os lados. O
que há? Parece estar faltando oração e engajamento. Dinheiro, dizem, está
sobrando. Compraram TVs e rádios, os carros são os melhores, tem até gente com
avião! Por favor, amados, não esqueçam do Sertão! Sei que lá não tem muita
riqueza, mas que valor daria para comprar uma alma?
Minha cabeça sueca está particularmente preocupada com os rumos que a igreja tem tomado, parecendo cada
dia mais com as instituições europeias. Muita discussão, muita reunião e pouca
coisa prática. Acabei de receber um telefonema informando os rumos da última
AGO, em Fortaleza… Eu nunca quis uma Convenção Geral, sabia que ia dar nisso.
Poder, poder, poder. Quando cansam do cardápio, bravata. Que coisa triste.
Pessoas estão se perdendo, o Brasil está mergulhado na idolatria e nos vícios e
os pastores discutindo quem fica com um naco maior de poder? Não foi isso que
ensinei. É a receita certa para a derrocada.
Quando quiseram o controle do
trabalho em Natal, em 1930, eu não me opus. Entreguei
templos, membros, haveres e fui para minha amada Suécia. Deixei tudo para trás
e não fiquei influindo nesta ou naquela decisão ou exigindo reparações. Penso
que a Igreja não pertence a ninguém. Essa ânsia está cegando a denominação.
De Norte a Sul leio relatos de
verdadeiras oligarquias, nas quais manda um grupo
pequeno e restrito. Esse grupo catalisa as decisões e desbanca pessoas
competentes e espirituais. Mas esse é dos problemas menores que me contam…
Me falam de desvios jogados debaixo do
tapete, brigas por templos, pavoneamento,
gastos excessivos à custa de ofertas e desperdício de energia mental e tempo. A
Assembleia de Deus é grande mas não é indispensável. Cuidemos de voltar aos
marcos antigos enquanto é tempo.
Envio-lhes uma foto da família. Por favor, não joguem fora nosso trabalho!
Missionário Pr Gunnar Vingren
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