segunda-feira, abril 03, 2017

Direito do Blog do Jeso carneiro

A nova lei da terceirização

“A Lei n° 13.429/2017 [sancionada por Temer] constitui um retrocesso no âmbito do Direito do Trabalho”

A nova lei da terceirização, terceirização do trabalho
por Vicente José Malheiros da Fonseca (*)
Durante muito tempo, as questões trabalhistas sobre o tema, em exame, têm sido solucionadas à luz da Súmula nº 331, do TST, que cuida da hipótese de terceirização, mediante contrato de prestação de serviços, matéria apreciada pela doutrina e pela jurisprudência, uma vez que se trata de procedimento utilizado praticamente em todos os países, nas relações entre o capital e o trabalho.
A terceirização é objeto de muita polêmica nos tribunais trabalhistas.
A “velha empresa” realizava diretamente as atividades necessárias aos fins do seu empreendimento, por meio de seus próprios empregados, cujo trabalho era por ela dirigido e fiscalizado diretamente.
A “velha empresa” correspondia à relação de emprego clássica.
A “nova empresa” descentraliza o seu processo produtivo transferindo […] “para o exterior da empresa certos segmentos da produção ou certas atividades anexas à principal, a fim de poderem ser geridas ou produzidas em condições de custos e contabilidade tanto mais vantajosas quanto permitam uma redução dos encargos fixos e dos riscos conjunturais. O arranjo técnico por que se rege esta transferência é multíplice, por vezes sofisticado, por vezes disfarçado, mas acolhe distintamente dois instrumentos preferenciais: subcontratação e o recurso sistemático à prestação de serviços” (cf. Redinha, Maria Regina Gomes. A relação laboral fragmentada. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 48-59. Citação feita por Cléber Lúcio de Almeida, nos comentários à Súmula nº 331/TST – “Súmulas do TST Comentadas” – Andrea Presas Rocha; João Alves Neto (Organizadores). Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 395).
O certo é que a terceirização abrangia, no início, a atividade-meio do processo produtivo da empresa. Mas, atualmente, a terceirização avança, a passos largos, para a atividade-fim.
Nem sempre é fácil distinguir a atividade-meio da atividade-fim de uma empresa.
Por exemplo, o serviço de informática nos bancos – considerado atividade-meio – pode ser terceirizado, conforme a doutrina e a jurisprudência, embora se trate de atividade necessária e essencial ao empreendimento.
O mesmo ocorre, por exemplo, nas atividades das companhias de transporte aéreo. Todavia, se o serviço de informática (Internet) paralisar, as atividades da empresa ficam comprometidas.
Sem dúvida, quem transfere a outrem a sua atividade-fim não pode abrir mão do controle dessa atividade ou do poder de tomar as decisões vitais a ela relacionadas, sob pena de colocar em risco a sobrevivência do seu empreendimento, segundo alertam os estudiosos da matéria, que se reportam ao termo “subordinação estrutural”, como espécie de tornar mais flexível as relações laborais.
Afinal, o que é a terceirização?
“A terceirização é um fenômeno relativamente recente nas relações de trabalho, segundo o qual uma determinada empresa cede a totalidade ou parte das funções que compõem sua atividade-meio (atividades permanentes necessárias, mas não essenciais) para trabalhadores contratados por outra empresa, a prestadora de serviços.
Embora haja prestação de serviços diretamente para a empresa cedente (tomadora dos serviços), o vínculo empregatício se estabelece apenas entre o trabalhador e a empresa prestadora” (cf. Cinthia Machado de Oliveira e Leandro do Amaral Dorneles de Dorneles, in Direito do Trabalho. Curitiba: Verbo Jurídico, 2011. p. 66-67).
A jurisprudência
O Tribuna Superior do Trabalho editou a Súmula nº 331, que estabelece:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.
Em 22 de março de 2017, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.302 de 1998, que “altera dispositivos da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros”.
Em 31 de março de 2017, o citado Projeto de Lei foi sancionado pelo Presidente da República e convertido na Lei n° 13.429, com três vetos.
O PL nº 4.302 foi apresentado ainda no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e somente em março de 2017 foi aprovado na Câmara Federal, depois de passar pelo Senado, em 2002.
Porém, tramita no Senado Federal outro Projeto de Lei (PLC nº 4.330/2004), que trata do mesmo tema (Terceirização).
Ocorre que enquanto o Projeto de Lei nº 4.302/1998 prevê que “a empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciária” (art. 5º-A, § 5º); o Projeto de Lei nº 4.330/2004 (PLC nº 30, de 2015 – numeração no Senado) estabelece que “a responsabilidade da contratante em relação às obrigações trabalhistas e previdenciárias devidas pela contratada é solidária” (art. 15).
Portanto, pelo menos, nesse ponto, o PL 4.330/2004, convertido em lei, é mais vantajoso para a classe trabalhadora e para a efetividade da prestação jurisdicional, em caso de demanda perante a Justiça do Trabalho.
Enfim, a Lei n° 13.429/2017 constitui um retrocesso no âmbito do Direito do Trabalho.
Creio que mais importante do que discutir sobre a licitude ou ilicitude da terceirização; ou sobre a possibilidade de terceirizar a atividade-meio e também a atividade-fim do tomador de serviços, penso que melhor é assegurar a RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA de ambas as empresas (a terceirizada e a tomadora de serviços), a fim de permitir maior efetividade e celeridade no cumprimento da sentença trabalhista condenatória, sem necessidade de primeiramente esgotar todos os atos executórios contra uma empresa (terceirizada) para somente depois de muito tempo iniciar a execução da empresa tomadora dos serviços – em dois passos –, como ocorre na hipótese de mera responsabilidade subsidiária, agora preconizada pela Lei n° 13.429/2017.
E tudo isso sem falar em diversos outros aspectos negativos para o trabalhador, como a isonomia salarial e outras vantagens (entre os empregados da terceirizada e da tomadora dos serviços), que certamente será objeto de muita polêmica na Justiça do Trabalho, embora, a meu ver, essa isonomia já esteja assegurada na Constituição Federal (artigos 5° e 7°, XXXII) e na CLT (artigo 5°).
Nesse tópico o E. TRT-8ª Região possui jurisprudência uniformizada pela Súmula nº 52, que assim dispõe:
“TERCEIRIZAÇÃO. IDENTIDADE DE FUNÇÃO ENTRE OS EMPREGADOS DA PRESTADORA E DA TOMADORA DE SERVIÇOS. DIREITO AOS MESMOS BENEFÍCIOS. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. ARTIGO 12, “A”, DA LEI 6.019/1974. Independentemente da licitude na terceirização, é devida aos empregados das prestadoras de serviços a mesma remuneração e as mesmas vantagens concedidas aos empregados da tomadora de serviços, desde que constatada a similaridade nos serviços e atividades desempenhadas, em obediência ao princípio constitucional da isonomia, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional e por aplicação do disposto no artigo 12, alínea “a”, da Lei nº 6.019, de 03/01/1974, e não o previsto no art. 461 da CLT”. (Aprovada por meio da Resolução Nº 090/2016, de 12 de dezembro de 2016)
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* Santareno, é desembargador do TRT-8ª Região, professor, compositor e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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