terça-feira, dezembro 18, 2012

“O STF não cassou ninguém”, explica advogado

Por Jeso Carneiro em 18/12/2012 às 11:06

Oportuno comentário do advogado e procurador de Justiça aposentado Ismaelino Valente, a propósito do post Condenados perdem o mandato, decide STF:
Ismaelino Valente, advogado
Tentando por um pouco de ordem na discussão:
1) O STF não “cassou” o mandato de ninguém. A Constituição veda a “cassação” de direitos políticos e não fala em “cassação” de mandatos. O que a Constituição prevê são os casos de “perda” ou “suspensão” desses direitos, e dentre tais casos arrola a “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos” (art. 15, III).
2) A Constituição repete, para não deixar dúvidas, que “perderá” o mandato o Deputado ou Senador “que perder ou tiver suspensos os direitos políticos” (art. 55, IV) ou “que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado” (art. 55, VI).
3) Já o Código Penal (aprovado e remendado a toda hora pelo Congresso) diz que são “efeitos” da condenação criminal, dentre outros, a “perda de cargo, função pública ou mandato eletivo”, nos seguintes casos: a) quando a pena privativa de liberdade for igual ou superior a um ano “nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública” (é o caso do mensalão!), e, b) quando a pena privativa de liberdade “for superior a quatro anos, nos demais casos” (também é o caso do mensalão) (v. art. 92, I, “a” e “b”, com a redação dada pela Lei nº 9.268/1996).
4) O Código Penal esclarece que esses efeitos da condenação “não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença” (art. 92, § único, com a redação dada, antes mesmo da atual Constituição, pela Lei nº 7.209/1984, evidentemente recepcionada pela Carta atual).

5) Da conjugação das disposições constitucionais com as do Código Penal, têm-se que, em se tratando de crime contra Administração Pública com pena imposta superior a um ano ou de qualquer crime com pena imposta superior a quatro anos, a “perda” do cargo, função pública ou mandato eletivo é, pois, um “efeito” da condenação e assim deve ser motivadamente declarado na sentença.
6) Só a sentença – vale dizer, só o Judiciário, portanto – é que pode declarar os “efeitos” da condenação. E foi o que o STF fez: declarou, por 5 x 4, os “efeitos” das condenações impostas as deputados mensaleiros, incluindo, dentre tais “efeitos”, a “perda” do mandato eletivo. Defender o contrário, sim, seria uma tentativa de invasão da competência constitucional e legal do STF.
7) A decretação da “perda” do mandato eletivo pela Câmara ou Senado, observado os procedimentos previstos nos §§ 2º e 3º do art. 55 da Constituição, somente é cabível se a “perda” do mandato eletivo não tiver sido declarada na sentença como “efeito” da condenação ou nos demais casos que não os previstos no art. 92 do Código Penal. Aqui entra o exemplo tão citado pelos que ensaiam insubordinar-se contra a decisão do STF: o caso de um parlamentar condenado à pena de menos de 4 anos por homicídio culposo em acidente de trânsito.
8 – Quando a condenação dos deputados mensaleiros “transitar em julgado” (o que só deverá ocorrer após a publicado do acórdão e depois de julgados os recursos, se forem – e serão! – interpostos), o STF comunicará a condenação à Câmara, que tão-somente declarará a “vacância” do mandato, já que a sua “perda” não pode mais ser discutida, eis que é um “efeito” da sentença criminal transitada em julgado, e assim já foi motivadamente declarado na decisão condenatória.
9) No STF não há decisão precrária. Uma vez que a maioria decide – não importa se por um voto de diferença – a decisão passa a ser do Tribunal e ponto final (ressalvados, é claro, os recursos, por via dos quais o Tribunal poderá até vir a modificar a decisão anterior).
10) A declaração, pelo STF, da “perda” do mandato como “efeito da condenação”, portanto, é irreversível – desde que o acórdão condenatório passe em julgado. O acórdão só deve ser publicado em fevereiro ou março de 2013 e os recursos só serão decididos no segundo semestre de 2013 ou em 2014.
11) Enquanto isso, os deputados condenados continuarão no exercício dos respectivos mandatos, quiçá até o fim dos mesmos em 31/12/2014 – se até lá não transitar em julgado o acórdão condenatório do STF.
12) Não poderão, todavia, candidatar-se à reeleição ou a outro cargo eletivo em 2014, pois, nos termos da Lei da Ficha Limpa, uma vez condenados por órgão colegiado, como é o caso do STF, ainda que a decisão não tenha transitado em julgado, estarão inelegíveis.
13) Não vejo hipótese de crise institucional. O STF não está tirando da Câmara a sua competência e nem a Câmara pode decidir contra expressas disposições constitucionais e legais. Coube aos Constituintes de 1988 e ao legislador infraconstitucional definirem o papel do STF como guardião e intérprete máximo da Constituição e das leis. Ninguém está inventando isso agora.
14) A bravata do presidente da Câmara – de que “não cumprirá a decisão do STF” –, secundada pelas bravatas de quem não manja nada da Constituição e das leis, não passa mesmo de mera bravata. A uma, porque no final de janeiro ele deixa a presidência da Câmara e volta ao “baixo clero”, onde a sua influência será reduzida a praticamente zero pois o novo presidente da Câmara, ao que tudo indica, terá mais juízo, já que não sairá da ala dos camicases petistas; a duas, porque, como destacou Celso de Mello, “o Supremo tem a última palavra na interpretação da Constituição”, ou, na citação que ele fez de Rui Barbosa, “tem o direito de errar por último”.

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